A partir do livro “Diário” de Etty Hillesum, mulher judia, que, em 1943, morreu num dos campos de concentração nazi… Foi na dor, na Cruz do holocausto, que foi descobrindo a presença de Deus na sua vida… Um livro fabuloso, denso e intenso…!
Certamente que alguns, mesmo antes de colocarem a pergunta, já saberão dar a resposta exacta ao título, sobretudo aqueles que já têm muitas certezas formuladas. Mas a pergunta não é de resposta fácil, aliás nem saberemos se tem resposta! Mas o que cada um saberá é que mais do que nunca parece que precisamos d’Ele, ou pelo menos de O pensar como tábua de salvação. Como afirmava Etty, se “Deus não me ajudar mais, nesse caso hei-de eu ajudar a Deus” (Etty Hillesum, Diário, Assírio e Alvim, 245). E quem disse isto sabia do que falava porque experimentou na carne e nos ossos o horror do holocausto.
Caso Freud fosse vivo diria que esta necessidade de explicar o mundo, o humano a partir de Deus, resulta de um subconsciente reprimido; Marx diria que em tempos de crise funciona como «ópio do povo»; Nietzsche afirmaria que definitivamente «Deus morreu» face às convulsões emergentes de terror e desastres, remetendo tudo para a necessidade de se criar o Super-homem, capaz de combater e de não sofrer com nada nem com ninguém; Sartre, face ao terror e uma cultura de dramas, morte e medo, de verdadeiro “esplendor do caos” (E. Lourenço), confirmaria a sua tese de que jamais será possível haver essência e que somos absolutamente “seres para a morte” e que a “vida é um inferno” a céu aberto. O que eles nunca disseram foi como é que seria o Homem sem Deus, mas somente quando está presente… Por isso, lhe deram CRÉDITO, pensando-O!
E o nosso mundo, o actual, o que pensará de Deus? Porquê Deus, se temos a técnica e o bem-estar? Se olhar para as religiões, vistas no seu global, dirá que Deus não habita neste mundo, porque as religiões mais do que anunciar Deus, encarceraram-no no templo, em guerras inúteis de busca da verdade e em fundamentalismos sempre postos a matar em nome de Deus? Se olhar para os líderes mundiais, facilmente conceberá um Deus tirano, corrupto, sem escrúpulos, impiedoso, falacioso e sofístico? Mas já escrevia e sentia Etty, também ela testemunha do horror humano: “estou pronta a testemunhar sob qualquer circunstância e até à morte que esta vida é bela e prenhe de sentido, e que não é culpa de Deus as coisas serem actualmente como são, mas culpa nossa” (Ibidem, 242).
Então como pensar Deus, para O dizer hoje, no meio de tanta pluralidade que se diz detentora da verdade? Primeiro, hoje ainda é possível falar de, com e em Deus, por meio de uma fé pessoal e comunitária. Segundo, que o Deus em que os cristãos acreditam é o de Jesus Cristo, encarnado numa história humana, que no paradoxo do sofrimento, e assumindo a dor humana, revelou a LUZ da ressurreição e da esperança a todos aqueles que viviam e vivem na opressão. Terceiro, tudo aquilo que porventura se possa dizer de Deus terá de brotar de uma experiência pessoal e relacional, onde cada um, crente ou não, poderá dizer que Deus é amor, a partir de referências concretas de humanidade, de AMOR humano, que nos leve a DAR e a TER CRÉDITO de Deus face ao mundo.
Como diz Kafka, na sua Carta ao Pai: “tu não terias de fazer qualquer espécie de acção pedagógica, mas simplesmente levar uma vida quer servisse de exemplo; se o teu judaísmo [cristianismo…] fosse mais enraizado, o teu exemplo seria mais convincente” (F. Kafka, Carta ao Pai, 59). O pessoal e o ritual juntos fazem muita diferença… Não nos deixam nem no puro subjectivismo da fé nem no puro vazio do ritualismo repetitivo e incolor.
Mas como fazer passar a mensagem de Deus? É algo que cada um terá de sentir a necessidade de descobrir, de ir ao encontro do Deus vivo, de celebrar, vivendo, essa fé com os outros. O amor de Deus não se impõe por decreto, ou se vive ou então não é possível fazer uma experiência de fé com Deus, sem a qual todas as iniciativas ficam reduzidas a um sentimentalismo subjectivo, sem substância, que é o de transformar a vida em oração e a oração em vida profunda com os outros.
Ainda no dizer de Etty, um livro que todos poderiam e deveriam ler, “toda a energia e amor e confiança em Deus que uma pessoa possui, e que nos últimos tempos tem aumentado tão miraculosamente dentro de mim, deve estar disponível para qualquer outra pessoa que se cruze connosco e que precise” (Ibidem, 236). A isto chama-se Deus encarnado na história concreta do Homem, pela via do amor, onde o rosto da ALTERIDADE se assume como o lugar da revelação do AMOR de Deus.
João Paulo Costa