segunda-feira, 28 de setembro de 2009



Recolecção do Clero - Setembro

Recolecção do Clero


Data: 29 de Setembro de 2009 Local: Auditório Vita


PROGRAMA


9h30: Laudes

10h: Reflexão orientada pelo Pe. Rui Alberto

11h30: Intervalo

12h: Apresentação do livro "Para uma ética partilhada", por Enzo Bianchi

13h: Almoço

14h30: Início do cíclo de cinema sobre o presbítero, com a projecção do filme "Chuva de pedras"

sábado, 26 de setembro de 2009

Menino de Jesus de Praga e o Princepezinho

Bento XVI vai coroar o Menino Jesus de Praga

Visita do Papa à República Checa dará visibilidade a Cristo

AIS

A visita do Papa à República Checa, de 26 a 28 de Setembro, voltará a dar "visibilidade e presença" a Cristo, num país em que apenas 25% da população se declara crente, afirmou o Pe. Petr Sleich, prior do Carmelo de Praga.

Apesar dos números e do baixo índice de vocações, o sacerdote está optimista: "Essa situação pode mudar rapidamente, como já pudemos comprovar com os nossos próprios olhos, quando, há 20 anos, caiu a Cortina de Ferro".

O prior do Carmelo afirma não estar certo de que "o número dos não-crentes seja realmente tão alto como dizem. (...) Algumas pessoas sentem-se inseguras quando se abordam questões relacionadas com Deus, mas eu não garantiria que carecem de fé”.

As palavras do Pe. Sleich são reforçadas pelo seu itinerário cristão: foi baptizado aos 20 anos, quando estudava Matemática, sendo o que comummente se designa de “vocação tardia”. Hoje, quase toda a sua família é católica.

Devoção ao Menino Jesus de Praga estende-se a todos os continentes

Um dos primeiros gestos de Bento XVI depois de chegar à capital, será a coroação do Menino Jesus de Praga.

A imagem, que se encontra na Igreja de Santa Maria da Vitória desde 1628, recebe anualmente quase um milhão de peregrinos. A sua devoção começou no século XVI, tendo-se estendido a todos os continentes, sendo especialmente activa na Índia, onde existem vários santuários.

“Muitos checos que se declaram não-crentes amam o Menino Jesus de Praga, e estou certo de que muitos acabarão por se tornar amigos dEle", afirmou o Pe. Sleich.

"O coração humano é sensível à imagem do Menino Jesus, e o Natal também é uma festa querida e apreciada por pessoas não muito crentes na República Checa, apesar de ser considerada a nação mais marcada pelo ateísmo na Europa."

"Quando, no nosso santuário, as pessoas têm diante de si Deus representado como uma criança, não sentem medo; pelo contrário, porque Ele pede o nosso amor, o nosso coração, as nossas mãos e a nossa ajuda", sublinha o prior.

A tradição conta que Santa Teresa de Ávila presenteou o Menino a uma nobre espanhola; esta, por sua vez, ofereceu-o à filha, aquando do seu casamento, em Praga.

Durante a Guerra dos Trinta Anos, a imagem foi profanada por soldados da Saxónia, que partiram as suas mãos e a atiraram para um monte de escombros atrás do altar.

Segundo uma lenda, a imagem foi encontrada pelo carmelita luxemburguês Cirilo a Matre Dei, a quem, numa visão, o Menino Jesus suplicou que devolvesse as suas mãos, prometendo-lhe: "Quando mais me honrardes, mais vos abençoarei!".

A devoção ao Menino Jesus de Praga foi guardada por Santa Teresa de Lisieux e Santa Teresa Benedita da Cruz, entre outros. O poeta francês Paul Claudel dedicou-lhe um poema. Recentemente, o arcebispo de Praga, Cardeal Miroslav Vlk, declarou a igreja que alberga o Menino Jesus de Praga como segundo santuário do país.

Menino inspirou "O Principezinho"

O Pe. Sleich revela que a conhecida história «O Principezinho», de Antoine de Saint-Exupéry, está inspirada no Menino Santo.

"O que poucos sabem é que Antoine de Saint-Exupéry estava muito familiarizado com a veneração do Menino Jesus de Praga. O seu livro é lido nas escolas por não se tratar de uma obra religiosa, mas a verdade é que o é em altíssimo grau, pois inspira-se directamente no Menino Jesus de Praga. Um menino que vem do céu, que oferece a sua amizade, morre e volta às alturas..."

"As crianças que visitam o Menino Jesus de Praga entendem que ele não é uma peculiaridade católica estranha e compreendem a sua mensagem", acrescenta o sacerdote.

"São precisamente os símbolos que não precisam de longa reflexão os mais eficazes”, concluiu.

Com Zenit


REALIZADOR
Ken Loach


INTÉRPRETES

Bruce Jones, Julie Brown, Gemma Phoenix, Ricky Tomlinson, Tom Hickey, Mike Fallon, Ronnie Ravey, Lee Brennan, Karen Henthorn, Christine Abbott, Geraldine Ward.


CHUVA DE PEDRAS


Uma exegese possível...


Estamos na Irlanda. Numa cidade profundamente católica.

O filme de Ken Loach inicia com Bob, personagem principal, a roubar um carneiro para fazer algum dinheiro. O desemprego surge como a causa da degradação social. Bob não tem emprego há alguns meses. Recebe uma pequena pensão da Segurança Social que, a par de alguns biscates (vendedor, canalizador, segurança…), vai dando para pagar as contas de casa. O problema agrava-se quando lhe roubam a sua modesta carrinha de trabalho.

Bob é um bom católico (procura ensinar à filha o significado da primeira comunhão mas sem grande êxito!) e pai de família que faz tudo para que nada falte à sua esposa e filha, apesar de viverem com grandes dificuldades financeiras. Esta vai fazer a primeira comunhão. Embora o padre diga que não é preciso gastar dinheiro com a festa (há pessoas que emprestam vestidos), Bob quer dar o melhor vestido à filha (Coleen), ou pelo menos algo digno para que não se sinta envergonhada, pois este será para ela o “dia mais importante da sua vida”. Contudo, o vestido completo fica muito caro e Bob não tem esse dinheiro para pagar. Mesmo assim, e contrariando a vontade da sua esposa (Ane), pensa que a sua obrigação fazer a filha feliz. Decide pedir dinheiro emprestado numa agência. Mas como não arranja emprego não consegue saldar as dívidas (o vestido e carrinha nova que comprou) que será comprada por mafiosos a quem ficará a dever e obrigado a pagar após várias ameaças à sua família. Ao seu amigo Tommy acontece-lhe o mesmo, pois deve em todo o lado, sobrevivendo à custa da filha, que ganha o dinheiro a passar droga e na prostituição sem o pai saber.

Então numa noite decide esperar pelo chefe dos cobradores de dívidas para acertar contas… Algo corre mal e Bob provoca o acidente que vitima o seu credor… Com remorsos, recorre ao sacerdote da comunidade, contando-lhe o que se passou e que se ia entregar à polícia. O sacerdote (father Harry) desaconselha-o ao constatar que foi um acidente: “vais por em causa a tua liberdade e a felicidade da tua família por causa de um corrupto?... Pessoas como tu estão sedentas de justiça, e em nome de Cristo – fonte da vida – bem mercês tê-la”. Bob confessa-se e participa na primeira comunhão da filha.

O filme apresenta-nos o contexto pós- thatcherismo, de miséria e delinquência, jovens inseridos no mundo da droga, falta de trabalho… Mesmo praticantes e com fé cada um vai-se agarrando ao que se pode para garantir a sua subsistência… Vemos uma Igreja sacramental, desligada do mundo real das pessoas. O filme retrata tendencialmente os anónimos da "classe trabalhadora" revelando as suas dificuldades, problemas e condições de vida, retratos com a intenção de promover uma melhor consciencialização da sociedade contemporânea. Para agravar o problema, Ane tenta arranjar emprego mas por falta de prática é logo despedida porque o patrão não está com paciência para ajudar… Os outros trabalhadores assistem passivamente ao seu despedimento e humilhação.

Poderíamos colocar a pergunta: tudo isto por causa de uma primeira comunhão? Não. O problema fundamental não esse… O filme procura colocar em evidência a sobrevivência de uma família perante tantas dificuldades e nestas conseguir realizar a felicidade de Ane… Apesar dos tormentos, Bob faz por tudo para conseguir tal desejo… E apesar de tudo é uma família feliz. Mas não será que a religião leva a isso, as pessoas a darem aquilo que não têm ou não podem dar (diálogo entre Bob e o seu cunhado comunista), esquecendo-se da situação social em que muitas vivem? Ou refugiarem-se numa fé de fórmulas, sem Caridade? É preferível dar um vestido e ficar com contas para pagar e sem comida? O problema não está na festa, mas numa sociedade que não garante aos seus cidadãos o bem-estar e o trabalho digno para viver uma vida feliz.

É curioso o diálogo entre Bob e o seu cunhado: «procura lá respostas quando ela é parte do problema… cinco ave-marias não vão resolver os problemas… impede-te de pensar pela tua própria cabeça…Precisas é de trabalho… Quando se é trabalhador chove sete vez pedras de chuva”. Este diálogo entre um crente e um ateu é relevante porque coloca em confronto dois modos de ver a realidade. Uma Igreja que não leve à mudança fecha-se em si mesma, sem abertura ao mundo real, incapaz de fazer discípulos no mundo real. Predomina a ideia de uma Igreja que se basta a si própria, que se vê mais como poder e não como serviço.

João Paulo Costa

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Cristianismo e cultura


Na era da crença descafeinada

Os tempos que correm assemelham-se a um dispositivo de proliferação de crenças, domesticadas por um subjectivismo portátil, crenças indolores, individualistas, transversais, descontínuas, consensuais, inofensivas. Declinam-se regressos, o do sagrado, o dos anjos, o das origens cristãs, mas numa narrativa escorreita, sem sobressaltos, nem fracturas. O religioso enche a montra todo o ano. Fala-se da recuperação da alma, mas não do que se omite na articulação culturalmente correcta desse discurso.

Na feira do Livro de Turim, por exemplo, correndo o ano da graça de 2006, o grande acontecimento editorial era o redescoberto Evangelho gnóstico de Judas, e o fragmento eleito para a divulgação, este: “Levanta os olhos e observa as nuvens, a luz nas nuvens, e as estrelas em redor. A estrela que indica o caminho é a tua estrela”. Quanto mais etérea a mensagem, maior o fascínio.

Recordo o que escreve Slavoj Zizek, em “A subjectividade por vir” (Relógio d’Água, 2006): “Talvez a proibição que recai sobre a adesão apaixonada a uma crença explique por que motivo a «cultura» tende a tornar-se hoje uma categoria central no mundo e nas nossas vidas. A religião é permitida – não como forma substancial de vida, mas como modo de «cultura»”. Zizek aborda a recepção do filme de Mel Gibson, um objecto que não aprecia, mas que lhe serve para pensar “a Paixão na era da crença descafeinada”.

O caminho que ele aí aponta, contrariando o hedonismo espiritualista e evanescente, tão do apetite pós-moderno, é a redescoberta de “um materialismo consequente”.

Numa outra obra, em que enfrenta mais sistematicamente a situação do cristianismo contemporâneo (The fragile absolute or, Why is the Christian legacy worth fighting for?, 2001), tematiza esse “materialismo consequente” tomando a categoria da “desconexão”.

O cristianismo nasceu como uma comunidade de excluídos, na linha dos grupos excêntricos, e a verdadeira desconexão cristã “não é uma atitude de contemplação interior, mas a de um trabalho activo de amor que conduz necessariamente à criação de uma comunidade alternativa”.

José Tolentino Mendonça
24.09.09

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Deus é Humor

Testemunhar o bom humor de Deus

Se dissermos que Deus é Amor, ninguém se espanta. A afirmação tornou-se até um pouco banal à força da repetição. Mas se dissermos que Deus é Humor, ficamos em estado de alerta, porque nos parece que alguém está a tentar entrar, no território de Deus, “pela entrada dos fundos” e não pela “porta principal”. A verdade é que o Amor não dispensa o Humor.

Que fizemos do Evangelho da Alegria?

O cristianismo não é propriamente conhecido por ser a religião da alegria, e é uma pena. «O cristianismo seria muito mais credível se os cristãos vivessem em alegria», escreveu Nietzsche, e não podemos dizer que sem razão. O nosso testemunho fica muitas vezes refém de umagravitas insonsa, de uma seriedade que facilmente se torna em peso. Esquecemo-nos demasiadas vezes do Evangelho da alegria. Tratamo-la com parcimónia. Nas liturgias, pregações, catequeses, pastorais, a alegria, o humor ou o riso são abordados com muita descrição. A alegria tornou-se uma espécie de tópico marginal, ornamento ou sub-tema.

Por exemplo, quando citamos uma frase bíblica, raramente ela diz respeito à alegria. E, no entanto, a Bíblia é uma espécie de gramática do Humor de Deus. Por incrível que pareça, aquela biblioteca tão séria é também hilariante e está cheia de risos, embora esta dimensão seja, entre nós, escassamente referida e ensinada. Há páginas que constituem um puro alfabeto da Alegria e muitos momentos que só são compreendidos por quem soltar uma gargalhada. É que a Revelação de Deus propaga-se numa dinâmica que é claramente jubilosa.

Anjo risonho

Talvez tenhamos de levar mais a sério o verso brincado que o Salmo 2 nos segreda: «O que habita nos Céus, sorri». Ou perceber que a expressão crente é chamada a desenvolver-se como uma coreografia festiva, á maneira do que descreve o salmo 33: «Alegrai-vos no Senhor, louvai o Senhor com cítaras e poemas, com a harpa das dez cordas louvai o Senhor; cantai-lhe um cântico novo, tocai e dançai com arte por entre aclamações».

Nessa linha está a maravilhosa imagem do Livro dos Provérbios (8,30-31) que nos apresenta assim a Sabedoria, emanação de Deus, sua presença visível: «A Sabedoria Divina está constantemente a brincar: a brincar na terra e a alegrar-se com os homens», É um enunciado desconcertante, e estamos longe ainda de acolhê-lo, tal o desafio que representa. Não é no conjunto de tarefas tradicionalmente ligadas à sabedoria (julgar, pensar, escrutinar, prever...) que encontramos a Sabedoria de Deus. É infinitamente mais simples o seu programa: brincar, alegrar-se com os homens.

Anjo risonho

Se passarmos aos Evangelhos os apelos à alegria sucedem-se, e valia muito a pena escutá-los demoradamente. Por exemplo: no começo do Evangelho de São Lucas, aparece uma frase que os anjos dizem aos pastores e que é o arranque da história de Jesus: «Anuncio-vos uma grande alegria que o será para todo o povo (2,10). Mesmo no final do Evangelho, São Lucas tem a preocupação de recordar ao seu leitor que esta promessa se cumpre amplamente, referindo que os discípulos, confiados no mandato de Jesus, «voltaram para Jerusalém com grande alegria» (24,52). A alegria é a caligrafia do Evangelho, e o seu segredo.

Uma promessa de Jesus, transmitida pelo relato de São João, obriga-nos especialmente a parar: «ninguém vos poderá tirar a vossa alegria (16,22). Na nossa experiência a alegria é vivida como sinfonia frágil, música ainda imperfeita, inacabada... Não é que não provemos o límpido e íntimo sabor da alegria, mas apenas em momentos, em lampejos. A verdade é que muitas ameaças avançam sobre a nossa alegria: uma frase, uma notícia, um revés, uma alteração de humor, uma mudança de contexto, uma sombra. Sentimos que a alegria depende de tantas coisas! Como é que Jesus nos diz: «ninguém vos poderá tirar a vossa alegria»? Que alegria é esta, e como podemos aceder a ela?


José Tolentino Mendonça

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Karl Rahner


Abertura de coração

O homem faz muitas coisas, em si bastante diversas. Não lhe é dado fazer sempre uma só coisa, embora ele tenha no íntimo o desejo, talvez só inconfessado e semiconsciente, de fazer sempre essa única coisa, na qual valha a pena aplicar fadigas, o extremas das forças e o amor do coração. Deve, portanto, fazer muitas coisas. Mas não é de igual valor e dignidade tudo o que faz. Acontece que uma coisa é importante somente por ser inevitável. E o que na verdade é importante e necessário será facilmente evitado e esquecido. O que todos podem fazer, o que ninguém pode deixar de fazer, não é forçosamente o mais elevado.

O homem reza, quando está diante de Deus, com reverência e amor. Não é que possa já realizar o múltiplo na unidade. Isto nunca será possível a um ente finito. Mas, ao menos, está com Ele, o Unificador, fazendo assim o que há de mais importante e necessário, fazendo também o que nem todos fazem. Por pertencer justamente ao mais necessário, o seu acto possui a maior liberdade, produto de uma acção feita unicamente na caridade sempre renovada. Isso, porém, raramente acontece; é bastante difícil para o homem. Deve, portanto, continuamente meditar sobre a essência e o valor da oração, esforço esse sem o qual não logrará orar. Tal reflexão pode, pelo menos, ter como resultado eficiente levá-lo a dizer a Deus: «Senhor, ensinai-me a orar».

Porventura não sabemos todos o que é a oração? Não podemos rezar? Será que não se trata apenas de intimação e admoestação a realizar o que sabemos e podemos? Contudo, não é tão simples e espontâneo. Muitas vezes não sabemos o que é orar e por isso não o fazemos. Existem, de facto, actos humanos, manifestações do coração que todos pensam compreender. Todos pensam conhecê-las; dizem que sabem rezar por ser tão simples. As manifestações mais simples do coração são, todavia, as mais difíceis. Só lentamente o homem as aprende. Se, no fim da vida, o homem o conseguir, a sua vida terá sido boa, preciosa e abençoada. A essas manifestações do coração, às mais simples e ao mesmo tempo mais difíceis, pertencem a bondade, o desinteresse, a caridade, o silêncio, a compreensibilidade, a verdadeira alegria e a oração. Realmente, não é fácil compreender o que é a oração.

Talvez o homem outrora o soubesse, numa época em que o pobre coração ainda não fora gasto pelas mágoas e alegrias da vida, quando ainda, porventura, era capaz de se entregar a um amor puro. Mas depois, aos poucos, tudo mudou, sem o homem perceber. A caridade tornou-se hábito e, quiçá, um egoísmo [vivido] a dois – e esse homem iludiu-se, pensando que ainda rezava. Largou-o, em seguida, desapontado, enfadado, pensando que não valia a pena fazer algo que não tinha já qualquer sentido. Ou ainda: continuava a “rezar”, se é que se pode chamar oração ao que ele fazia. Parece tratar-se de um negócio, no qual tem de pagar ou receber, e assim se comporta – em nome de Deus. Precisa-se do bom Deus, portanto dirige-se-Lhe um pedido. Não quer perder a Sua amizade, eis por que se cumpre um dever. O homem, por assim dizer, faz uma visita de cerimónia (não por muito tempo); o que se há de falar é logo dito. Enfim, Deus há de compreender que ele não tem tempo e deve fazer coisas mais importantes. E essa petição junto do ofício supremo do governo do mundo (tem-se a impressão que é mister insistir muito e que lá tudo funciona com vagar), essa visita oficial ao Soberano do universo, junto ao qual não se quer cair em desgraça, (pois não se pode saber se, no além, depois da morte, o próprio destino correrá perigo) chama-se enfim oração. Ó meu Deus, não é oração, é o cadáver, a ilusão de uma oração.

O que é, na verdade, a oração? É difícil explicar. No final teremos falado muito e mostrado pouco. Em primeiro lugar, seja dito algo de muito simples, algo que está no início de toda a oração e que, em geral não se percebe: na oraçãoabrimos a Deus o nosso coração. Para compreender isso, com o coração e não somente com a razão, devemos considerar duas coisas: os corações podem ser sufocados ou, pelo contrário, os corações podem abrir-se.

Os acontecimentos que se patenteiam na vida exterior, claros ou impenetráveis, são, quando os perscrutamos, muitas vezes apenas sinal e símbolo, uma sombra exterior, reflectindo as coisas que se passam no coração, talvez desde há muito tempo. Agora, sem mesmo que o homem o preveja, mostra-se-lhe de repente a realidade exterior do que estava escondido no íntimo do seu ser. Então, o homem pode, nesse mesmo acontecimento, reconhecer, como num espelho, o estado de seu coração.

Karl Rahner, in Trevas e luz na Oração, Editora Herder, São Paulo, 1961, pp. 9-11

Pastoral da Cultura, Publicado em 10.10.2007

www.snpcultura.org

segunda-feira, 14 de setembro de 2009



VI Simpósio do Clero: uma experiência de eclesialidade


Reaviva o dom que há ti. Foi este o tema escolhido para o VI Simpósio do Clero de Portugal que decorreu, em Fátima, entre os dias 1 e 4 de Setembro. Estiveram presentes cerca de 800 padres, contando também com diáconos e seminaristas das diversas dioceses do país e congregações religiosas.

Certamente que o número não será o mais importante. Não obstante, ele é significativo na medida em que revela o interesse e a motivação da Igreja na procura de novas formas de evangelização, de eclesialidade e da necessidade de encontrarmos Cristo vivo, numa permanente redescoberta da beleza da comunhão e da fraternidade eclesial no anúncio da palavra de Deus.


A beleza desta eclesialidade foi visível nas celebrações, onde bispos, padres, diáconos e seminaristas se juntaram para rezar diariamente em comunidade (oração de Laudes e Vésperas e adoração ao Santíssimo). Há certamente uma imagem que ficou retida na memória de muitos: o final das eucaristias. Celebradas na Igreja da Santíssima Trindade, caminhávamos em procissão, como um só corpo e como povo de Deus chamado e enviado para a missão, seguindo as pegadas dos nossos pastores.


Eclesialidade essa patente também na dimensão formativa, proporcionada por excelentes oradores que exploraram nas diversas vertentes o tema deste Simpósio, reavivando o dom presente em cada um. Recordo com especial atenção as palestras de Anselm Grün e de Amedeo Cencini, que abordaram a figura do padre na sua dimensão humana, psicológica e teológica. Num tempo onde os saberes se globalizam e multiplicam, concluímos que “sem formação permanente há frustração permanente” (Cencini).


Por tudo isto, estes dias fizeram lembrar a vida das primitivas comunidades cristãs, tal como nos vem relatada no livro dos Actos dos Apóstolos: “Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o templo, partiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da salvação” (Act 2, 46-47). Talvez esteja aqui o começo da redescoberta da identidade sacerdotal da Igreja, testemunhado ao Homem contemporâneo que Cristo não é uma mera hipótese mas presença viva no coração do mundo.


Esta aproximação às nossas origens foi uma experiência de comunhão, onde cada um a seu modo, na sua diferença e situação, tornou possível fazer uma experiência de solidariedade fraternal. Pois, mais do que ser ensinada, a comunhão é para ser vivida, testada e experimentada na vida da Igreja. Ela experimenta-se na relação concreta com os outros. Não se trata de uma questão académica mas existencial, fundamental, capaz de fazer atrair para Deus todos o que andam à margem de Cristo.


Neste sentido, o Simpósio foi também um acto cultural, um dom recebido para ser partilhado com todos aqueles que não puderam estar presentes, padres e leigos, para que a todos chegue esta alegria da comunhão e da fraternidade cristã; um acontecimento cultural que permitiu alargar horizontes mediante a partilha de ideias, a oração e a vontade comum de anunciar Cristo a todas as gentes.


Toda esta dimensão fraternal em Cristo é de suma importância para a Igreja se reencontrar quotidianamente consigo mesma, mediante o testemunho de sacerdotes, diáconos e leigos, de modo que outros possam dizer: “vê-de como eles comungam do mesmo corpo, de Cristo Jesus”! Este pequeno testemunho observado poderá levar à conversão silenciosa a Cristo e à Igreja porque, depois da Palavra, vem a atitude e o carácter com que envolvemos as nossas acções. S. Paulo dizia na carta aos Coríntios: “Peço-vos, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que estejais todos de acordo e que não haja divisões entre vós; permanecei unidos num mesmo espírito e num mesmo pensamento” (1 Cor 1, 10), de modo que a incredulidade daqueles que não acreditam não aumente ainda mais!


Por tudo isto, o Simpósio, ou melhor, a manifestação de uma eclesialidade tão alargada, foi (é) um testemunho àqueles que estão a iniciar a vida ministerial na Igreja, afirmando que é possível viver a comunhão eclesial quando congregados em nome de Cristo e que tudo se transforma quando unidos em torno d’Aquele que nos concede o sopro de uma vida plena.


Agora, caberá a cada um fazer a sua parte, de modo que o dom possa ser partilhado com os demais. Eis o mais belo sinal de eclesialidade!


João Paulo Costa