Ken Loach
INTÉRPRETES
Bruce Jones, Julie Brown, Gemma Phoenix, Ricky Tomlinson, Tom Hickey, Mike Fallon, Ronnie Ravey, Lee Brennan, Karen Henthorn, Christine Abbott, Geraldine Ward.
Uma exegese possível...
Estamos na Irlanda. Numa cidade profundamente católica.
O filme de Ken Loach inicia com Bob, personagem principal, a roubar um carneiro para fazer algum dinheiro. O desemprego surge como a causa da degradação social. Bob não tem emprego há alguns meses. Recebe uma pequena pensão da Segurança Social que, a par de alguns biscates (vendedor, canalizador, segurança…), vai dando para pagar as contas de casa. O problema agrava-se quando lhe roubam a sua modesta carrinha de trabalho.
Bob é um bom católico (procura ensinar à filha o significado da primeira comunhão mas sem grande êxito!) e pai de família que faz tudo para que nada falte à sua esposa e filha, apesar de viverem com grandes dificuldades financeiras. Esta vai fazer a primeira comunhão. Embora o padre diga que não é preciso gastar dinheiro com a festa (há pessoas que emprestam vestidos), Bob quer dar o melhor vestido à filha (Coleen), ou pelo menos algo digno para que não se sinta envergonhada, pois este será para ela o “dia mais importante da sua vida”. Contudo, o vestido completo fica muito caro e Bob não tem esse dinheiro para pagar. Mesmo assim, e contrariando a vontade da sua esposa (Ane), pensa que a sua obrigação fazer a filha feliz. Decide pedir dinheiro emprestado numa agência. Mas como não arranja emprego não consegue saldar as dívidas (o vestido e carrinha nova que comprou) que será comprada por mafiosos a quem ficará a dever e obrigado a pagar após várias ameaças à sua família. Ao seu amigo Tommy acontece-lhe o mesmo, pois deve em todo o lado, sobrevivendo à custa da filha, que ganha o dinheiro a passar droga e na prostituição sem o pai saber.
Então numa noite decide esperar pelo chefe dos cobradores de dívidas para acertar contas… Algo corre mal e Bob provoca o acidente que vitima o seu credor… Com remorsos, recorre ao sacerdote da comunidade, contando-lhe o que se passou e que se ia entregar à polícia. O sacerdote (father Harry) desaconselha-o ao constatar que foi um acidente: “vais por em causa a tua liberdade e a felicidade da tua família por causa de um corrupto?... Pessoas como tu estão sedentas de justiça, e em nome de Cristo – fonte da vida – bem mercês tê-la”. Bob confessa-se e participa na primeira comunhão da filha.
O filme apresenta-nos o contexto pós- thatcherismo, de miséria e delinquência, jovens inseridos no mundo da droga, falta de trabalho… Mesmo praticantes e com fé cada um vai-se agarrando ao que se pode para garantir a sua subsistência… Vemos uma Igreja sacramental, desligada do mundo real das pessoas. O filme retrata tendencialmente os anónimos da "classe trabalhadora" revelando as suas dificuldades, problemas e condições de vida, retratos com a intenção de promover uma melhor consciencialização da sociedade contemporânea. Para agravar o problema, Ane tenta arranjar emprego mas por falta de prática é logo despedida porque o patrão não está com paciência para ajudar… Os outros trabalhadores assistem passivamente ao seu despedimento e humilhação.
Poderíamos colocar a pergunta: tudo isto por causa de uma primeira comunhão? Não. O problema fundamental não esse… O filme procura colocar em evidência a sobrevivência de uma família perante tantas dificuldades e nestas conseguir realizar a felicidade de Ane… Apesar dos tormentos, Bob faz por tudo para conseguir tal desejo… E apesar de tudo é uma família feliz. Mas não será que a religião leva a isso, as pessoas a darem aquilo que não têm ou não podem dar (diálogo entre Bob e o seu cunhado comunista), esquecendo-se da situação social em que muitas vivem? Ou refugiarem-se numa fé de fórmulas, sem Caridade? É preferível dar um vestido e ficar com contas para pagar e sem comida? O problema não está na festa, mas numa sociedade que não garante aos seus cidadãos o bem-estar e o trabalho digno para viver uma vida feliz.
É curioso o diálogo entre Bob e o seu cunhado: «procura lá respostas quando ela é parte do problema… cinco ave-marias não vão resolver os problemas… impede-te de pensar pela tua própria cabeça…Precisas é de trabalho… Quando se é trabalhador chove sete vez pedras de chuva”. Este diálogo entre um crente e um ateu é relevante porque coloca em confronto dois modos de ver a realidade. Uma Igreja que não leve à mudança fecha-se em si mesma, sem abertura ao mundo real, incapaz de fazer discípulos no mundo real. Predomina a ideia de uma Igreja que se basta a si própria, que se vê mais como poder e não como serviço.
João Paulo Costa
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