Quando assistimos a um filme de teor patriótico, é frequente vermos os líderes políticos das nações ameaçadas a apelarem às pessoas para “lutar pelas nossas famílias, pelos nossos filhos, pelos nossos valores”.
Apontar o caminho aos outros é menos custoso do que trilharmos um caminho comum de humanidade, porque este exige diálogo e respeito mútuos. Por vezes, propomos, apressadamente, o futuro como meta de esperança, mas esquecemos que é no presente e na invocação das memórias positivas do passado que uma identidade, uma instituição, uma pessoa, uma sociedade se constroem.
Facilmente decretamos o que se deve fazer, não deixando margem de manobra para uma decisão livre, responsável e madura das próximas gerações. Mais rapidamente nos aprontamos a determinar a vida futura dos outros do que a comprometermo-nos a cumprir o presente. Facilmente instauramos a ética do dever aqueles que vêm e pouca ética da responsabilidade à geração actual.
Por isso, a instituição família, célula vital de qualquer sociedade, é chamada a reflectir nos valores que a identificam enquanto comunidade de vida e de amor, enquanto espaço primeiro de sociabilização, de aprendizagem da solidariedade, da afectividade e da amizade. É aqui que se joga a construção de um mundo mais humano e justo. A identidade das gerações futuras será aquilo que os Homens de hoje lhes transmitirem e derem em herança.
Outrora a herança fora a honra, o dever, a verdade, mas também as barbaridades, as guerras, escravidão humana… E hoje, que legado deixamos e testemunhamos aos vindouros? Talvez esteja na hora de redescobrimos a identidade, os papéis, os deveres e os direitos de cada membro da família, para que esta se converta numa comunidade que vive em comunhão, onde as relações não se reduzem somente à sanguineidade, mas educam para uma cidadania global, capaz de ensinar homens e mulheres a serem concidadãos do mundo.
Neste sentido, talvez seja tempo de dar voz às crianças e de perceber o que é que elas esperam da família, do pai, da mãe, dos irmãos, dos avós… Talvez seja interessante perceber que as crianças sentem mais necessidade em ser amadas e acompanhadas do que em ter grandes coisas; de sentirem mais autoridade dos pais do que a sua indiferença rotineira; de perceberem que são elas as crianças e não os seus pais, a quem prestam, como filhos, obediência e respeito.
Talvez esteja na hora de perguntar aos jovens o que esperam da família neste séc. XXI, onde a oferta das novas redes sociais de comunicação parecem atrair muito mais do que os laços e rostos familiares. Talvez seja o tempo de lhes proporcionar espaços familiares diferentes, onde o PC, a PS3, a Net, o telemóvel e o PDA não substituem o encontro pessoal em família (férias conjuntas, ida ao cinema, teatro, passear, visitar familiares, ver um programa de TV em família, partilhar as novidades tecnológicas, rezar e participar na comunidade cristã…). É tempo de passarmos de relações (famílias) virtuais e tecnológicas a relações (famílias) humanas e próximas, de encontros entre rostos concretos, que, mesmo em dificuldades extremas, sentem a alegria de viver e de projectar sonhos e realizações.
Talvez seja o momento de os pais pararem e pensarem a sério na educação dos seus filhos… Facilmente se entrega o papel de educador a outras instituições, como a escola, o futebol, o grupo de amigos, numa plena demissão daquilo que é específico de um pai e de uma mãe, que é educar os filhos para uma vida e cidadania responsáveis, de serviço, de entrega às grandes causas da existência humana. Talvez tenham de aprender a ser pais! Pois, para educar, é preciso testemunhar uma relação sadia, dialogante e verdadeira entre esposos que contagie toda a família, de tal modo que os filhos possam dizer: “vê-de como eles se amam”.
Talvez esteja na hora das famílias serem mais família, sem pensarem só e exclusivamente no sucesso e na felicidade dos seus membros, mas de sentirem que há outros valores que fundamentam e estruturam a vida, como o amor simples e concreto, a verdade, a justiça, a amizade, a fé, a fraternidade, o compromisso, o serviço social. Não basta apelar, é preciso vivê-los, e a família é esse espaço privilegiado onde se “coze” a sociedade futura. Sem esta experiência de comunidade de vida, de amor e de fé, todo o resto se desmorona e caí com o sopro do vento.
Se é verdade que estamos na era tecnológica e digital, de comunicações instantâneas, também é um facto que, mais do que nunca, pais e filhos, família e sociedade são chamados a trilhar um caminho de permanente e comum humanização das suas relações. Só assim conseguiremos fazer do futuro um encontro feliz de gerações que vivem de uma memória, de histórias, de acontecimentos e de pessoas reais que, em todos os tempos, vão esculpindo um admirável mundo novo.
João Paulo Costa
João Paulo Costa
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