sexta-feira, 14 de maio de 2010

A desnudação do corpo


A desnudação do corpo

A instantaneidade e a mediatização da vida pública é um dos efeitos da dita sociedade digital e da era da globalização. A informação parece ser sinónimo de conhecimento e de verdade absoluta da realidade. Tudo nos é dado em directo, ao segundo, como que tudo acontecesse aqui e agora. Os acontecimentos passam a verdade absoluta logo que são noticiados, sem hipótese do contraditório, criando a ideia generalizada de que tudo e todos são iguais.

É neste clima de suspeição e de nebulosa existencial, onde ninguém parece saber para onde vamos, que surge a perversão dos corpos, onde cada um vende e compra no grande mercado da informação as notícias mais convenientes à ideologia corrente. Isto está bem patente no célebre slogan britânico: “Provavelmente Deus não existe. Goza a vida”. E aqueles que, por limitações da mente e do corpo, sociais ou económicas, não podem gozar a vida? Quem lhes fará justiça? O homem dançante e inebriado de Nietzsche? Como afirma brilhantemente o convertido pensador Chesterton: “os críticos modernos da autoridade religiosa assemelham-se àquelas pessoas que atacam a polícia sem nunca terem ouvido falar de ladrões” (Ortodoxia, Alêtheia, p. 43).

A lógica actual foi reduzida à sua máxima simplicidade, pois o que parece contar como exclusivo são as premissas que geram conclusões viciadas. E as variantes de um determinado facto não deverão contar como válidas? Um exemplo claro dessas premissas falaciosas são os casos de pedofilia na Igreja. Em virtude do envolvimento de alguns membros do clero, aliás reduzidos, se comparados com milhares de casos noutros sectores da vida familiar e pública das sociedades modernas, alguns concluem que o crime de pedofilia é uma descoberta recente!

No meio de tudo isto uma questão, entre muitas, se levanta: se foram alguns membros do clero a cometer tais actos, porque é que alguns pedem a condenação do Papa e não a aplicação da justiça humana aos padres que cometeram esses crimes? Alguns argumentarão que muitos deles já morreram. A conclusão torna-se lógica: a haver condenação que seja o Papa. O que é estranho, porque, por exemplo, se alguns dos membros da ONU cometessem este ou outro tipo de crime, ninguém se lembraria de pedir a condenação do Secretário-Geral da ONU! A lógica anti-católica de alguns grita ruidosamente que a Igreja entre na denúncia dos seus membros, colocando-os inteiramente à mercê do mediatismo e do espectáculo. Essa é a lógica do Big Brother, neste caso religioso, em que a Igreja nunca poderá entrar, até por uma questão de justiça e verdade para com as vítimas. A desnudação do corpo é uma constante ao longo da história. Foi assim com Jesus, maltratado e injuriado, acusado inocentemente; como “servo sofredor” suportou sobre si todas as enfermidades. As suas vestes foram repartidas e sobre elas deitaram sortes. Esse foi o grande espectáculo mediático de Pôncio Pilatos, apoiado por fariseus, incomodados e sedentos de poder e fama. Será o discípulo mais do que o Mestre?

Neste sentido, ninguém pode estar à espera, embora fosse o desejo diabólico de muitos bem-falantes, que a Igreja fizesse um briefing ou uma abertura mediática nos telejornais a acusar os seus sacerdotes e bispos que cometeram tais crimes. Um Pai que ama o seu Filho não o condena nem o entrega à condenação pública de qualquer forma. À Igreja, como corpo de Cristo, cabe-lhe sim agir com Verdade e na Verdade [Caritas in Veritate], discernindo o que notícia e o que é facto. Mesmo sendo clara nas suas normas e decidida nas suas atitudes, parece que o coro dos lobbys sem rosto (relativistas, gays, ateus militantes, grupos económicos, sociedades secretas…) continua a gritar mais alto, pedindo a crucifixação do inocente, qual “cordeiro levado ao matadouro”.

Isto revela que estamos claramente perante uma tentativa de decapitação de Bento XVI, que é, alias, um dos grandes pensadores do séc. XX e XXI. Pensador e profeta, porque capaz de colocar as questões centrais da vida humana, no tempo e lugar próprios, sem se esconder por detrás do «politicamente correcto» e dos interesses político-religiosos. Talvez seja isso que esteja a incomodar alguns intelectuais ultra-modernistas. É graças ao pensamento dominante, aos profetas da corte e do imediato, para quem Deus não tem direito a habitar no espaço público e o ser humano é reduzido ao factum, que assistimos à derrocada do estilo de vida moderna e da civilização Ocidental.

O momento que a Igreja vive é de purificação e de renovação. Diante do diálogo com o mundo e a cultura, ela sabe discernir prudentemente as decisões a tomar. Os seus membros, assistidos pelo Espírito de Deus, terão de olhar para o horizonte da conversão e da reconciliação permanente. A grandeza da Igreja não está nos seus bens patrimoniais, está no seu testemunho profético e ousado de anunciar que Cristo está vivo e que cada ser humano necessita de ser perdoado e amado setenta vezes sete. Isso é incómodo e incómoda? Então, eis a Igreja a renascer das cinzas, mesmo se alguns franco-atiradores continuam a vaticinar o seu fim!

João Paulo Costa

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